A recente homologação de dois acordos judiciais e a concessão de uma decisão liminar marcaram um avanço significativo para a comunidade quilombola Kalunga, localizada em Goiás, no Entorno do Distrito Federal. Com a destinação de mais de 16 mil hectares de terras ao território quilombola, a decisão judicial consolidou a posse formal de três fazendas, cuja desapropriação vinha sendo disputada na Justiça desde 2014.
A luta pela regularização do território Kalunga envolveu diversas instituições, com a Advocacia-Geral da União (AGU), por meio da Procuradoria-Geral Federal (PGF) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), assumindo a ação legal para assegurar os direitos da comunidade. O processo resultou na formalização da posse das terras, reforçando a importância da proteção do território quilombola no contexto da região do Entorno.
Uma reviravolta no processo judicial
No início da tramitação, o processo enfrentou desafios significativos. Um juiz de primeira instância extinguiu as ações, alegando que os decretos presidenciais de 2009 que envolviam a questão já teriam perdido a validade. No entanto, a AGU recorreu com base no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que assegura às comunidades quilombolas o direito à posse de suas terras, sem restrições de caducidade. Este recurso resultou em uma liminar favorável e na celebração de acordos judiciais que garantiram à comunidade Kalunga a posse definitiva das terras.
Imissão de posse e pacificação social
Entre os dias 29 e 31 de outubro, foi realizada a imissão de posse das terras, um processo conduzido de forma pacífica pelas autoridades competentes, incluindo a AGU, o Incra, o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Militar. A ação, que envolveu a presença de diversas entidades, pôs fim a anos de disputas judiciais e tentativas de ocupações ilegais. Segundo Patrícia Rossato, procuradora federal especializada junto ao Incra, a decisão foi crucial para a pacificação da região, marcada por intensos conflitos no passado.
Impacto para a comunidade
O reconhecimento formal do território Kalunga tem um impacto profundo na vida da comunidade, composta por cerca de quatro mil pessoas, espalhadas por áreas como Engenho II, Prata, Vão do Moleque e Vão das Almas. Para Francisco Antonio Nunes, procurador-chefe do Estado de Goiás, a regularização das terras possibilitará que os Kalungas desenvolvam suas atividades de maneira sustentável, ao mesmo tempo em que preservam suas tradições culturais e espirituais.
O território quilombola Kalunga, oficialmente reconhecido tanto pelo governo federal quanto estadual, abrange uma vasta área de 261,9 mil hectares nos municípios de Cavalcante, Monte Alegre e Teresina de Goiás. A palavra “kalunga”, de origem banto, significa “lugar sagrado, de proteção”, um conceito que simboliza o forte vínculo espiritual e cultural que a comunidade mantém com a terra que habita e cuida há gerações.
A importância de Cavalcante e do Entorno
Cavalcante, cidade goiana que integra a região do Entorno, desempenha um papel crucial na preservação e reconhecimento das comunidades tradicionais. A decisão que garantiu a posse do território Kalunga não apenas assegura os direitos dessa comunidade, mas também reforça a relevância de um processo mais amplo de valorização e integração das populações quilombolas nas políticas públicas do Brasil Central. Ao longo dos últimos anos, o território Kalunga tem sido um símbolo de resistência e preservação cultural, refletindo as necessidades e os desafios enfrentados por outras comunidades da região do Entorno.
Essa vitória jurídica representa, portanto, mais do que uma simples conquista de terras: é uma reafirmação do direito dos povos tradicionais de manterem seus territórios, suas tradições e sua cultura intactas para as futuras gerações.
Foto: Fábio Tito/G1